11 de fev. de 2012

Na Falta De Outro, Seja Um


Às vezes dá uma vontade horrível de escrever, mas as idéias não chegam.
Aí eu penso em alguma história,
e tento lembrar detalhes da minha vida.
E eu esqueci. Tantas coisas aconteceram, e eu só sei o resumo.

Já tentei escrever sobre meu passado, e cada vez que leio, noto quanto falta. Quantas coisas já saíram da minha memória. E aquela que deveria ter saído há tempos, não sai.

Às vezes, me pego pensando: "E se eu nunca tivesse a conhecido?" ou "E se ela tivesse chegado em casa, aquele dia?". E se qualquer coisa diferente fosse verdade? Essas possibilidades me assustam. Me incomodam. Profundamente. Fico paranóico. Paranóico de verdade. Analisando milhões de possibilidades, tentando dividir a culpa com o mundo. Tentando achar onde eu deveria ter feito diferente, e o que aconteceria se, de fato, eu tivesse feito qualquer coisa diferente. Qualquer coisa. E acabo indo por um caminho mentalmente opressivo. O que faço agora, neste exato momento, está mudando meu futuro. O que eu faço agora, neste exato momento, dá mais vida à uma ou mais pessoas e menos a outra. E eu? Me incluo em qual? O que me parece é: a cada noite dessas, acordado, lembrando dela, é um dia que me aproximo mais de morrer.

Morrer é fácil. Métodos são fáceis. Mas alguma coisa em mim me segura. A saudade de me sentir bem, talvez. A esperança estúpida de algum dia eu encontrar uma moça que supere o que a C. foi pra mim. A esperança FALSA e ESTÚPIDA.

Tento negar o óbvio para evitar o inevitável: "Não existe outra, Elísio, pode se matar."

- Lembra que você desejou a morte de alguém que você amasse, para justificar a tristeza? Para as pessoas sentirem dó de você?
- Não era pra ser ela.
- Quem mais você amou?
- Não era pra ser ela.
- Era pra ser quem?
- Qualquer outra ex. Alguém que fosse sumir da minha vida de qualquer forma, como fizeram. Não era pra ser minha melhor amiga. Meu maior e único amor.
- Até agora.
- Duvido.
- Não duvide.
- Não me venha com frases otimistas. Não me subestime.
- Não exija tanto das pessoas. Ela era incrível, você nunca vai achar ninguém igual, então diminua seus ideais.
- Jamais.
- Não seja teimoso.
- Por que devo negar o que acho certo? Por que devo querer algo abaixo do perfeito? Eu mereço. Principalmente agora.
- A vida não tem esse tipo de justiça. Não basta merecer, Elísio.
- O que mais você quer que eu faça?
- Corra atrás, ora!
- "Corra atrás, ora" é o meu caralho. Quando fui correr atrás da C., você viu o que aconteceu. Ela morreu indo me ver. ELA MORREU INDO PRA PORRA DA MINHA CASA.
- Calma mano.
- ... [começa a chorar]
- Não chora Elísio. Não chora.
- Vai se foder.
- As coisas vão dar certo. Você vai ver. A vida tem ondas de sorte e azar. Considere a morte da C. como o ápice da sua onda de azar. Considere que nunca mais algo vai te deixar tão mal. Não posso dizer que daqui pra frente vai ser só alegria, mas, olha só, o pior dia da sua vida já passou. Lembra que você dizia pra você mesmo "Calma, amanhã vai ser pior"?
- Hm.
- Então. Não vai mais. Nunca mais.
- Mas as coisas não melhoram. As coisas não melhoram. Não é questão de onda passar, nem ápice. Estou nessa constante desde o dia que ela se foi. Não vou mentir e dizer que não melhorou nem um pouco, mas foi nada comparado à como eu estava antes. Antes dela morrer, eu estava contemplando suicídio, como em toda minha vida. E agora? O que me resta? Eu não estava dramatizando, cara. Eu estava realmente vazio. Realmente sem propósito. E agora? Heim? Você entendeu? Eu já estava mal. Eu já estava mal pra caralho. Fui falar com ela por que ela me ajudava. Não ajudava necessariamente, mas me entendia. E tinha praticamente a mesma vida que eu. Acordada a noite, vagabunda, poeta fajuta. Me sinto ridículo toda vez que chego a essa conclusão, mas ela era minha alma gêmea cara... [a última silaba quase não saí. explode um choro infantil, com soluços e nariz escorrendo]
- Elísio...
- E-e-eu se-sei que sou paté.. [assoa o nariz] ..patético...
- Não é... Considerando o que você tem passado...
- E tem essa moça que me ajuda. Me dá uns momentos de alegria... eu tento me agarrar a ela, mas basta ela não estar perto pra eu voltar pra merda...
- Eu sei dela.
- Ela ajuda de perto, mas de longe fica indiferente...
- Que merda isso. Você devia se afastar dela.
- Não posso.
- Por que não? Ela não merece sua canalhice.
- Canalhice??? É o mínimo que eu mereço. Um pouco de alegria.
- Mas qual o preço?
- Não sei cara. Deixa eu ser inconsequente um pouco. Como a C. seria.
- Não pode Elísio... Você vai magoar alguém assim...
- Eu não sou responsável pelos outros.
- Fala isso pra culpa que vai sentir depois.
- Não vou sentir culpa por que não estou contando nenhuma mentira. Está tudo às claras.
- Menos mal. Mas mesmo assim. Você não deveria...
- Não deveria o caralho. Foda-se. Se me faz um pouco bem, eu faço. Deixa alguma coisa na minha vida ser boa.
- E se acabar?
- Se? [riso sarcástico] Quando acabar, eu executo meu plano.
- Não vai usar isso como ameaça pra prolongar as coisas não né?
- Pelo contrário.
- Ela sabe das suas intenções?
- Sabe.
- Hm. Não vai deixar ela se sentindo culpada?
- Todo mundo que me conhece vai se sentir culpado. Mas isso não é por causa de eu ter me matado. Veja com a C., por exemplo. Ela morreu num acidente. A minha lógica diz que apenas eu fui o culpado. Quer dizer, em grande parte. Por ter falado a ela que poderia ir pra casa. Mas o padrasto dela também se sentiu. E os amigos. E a mãe. Deus, até o gato dela.
- Não entendi.
- Em resumo: para mortes trágicas, como acidentes e suicídios, é comum as pessoas que ficam se sentirem culpadas. Pra acabar com essa culpa, só se eu pegar uma doença crônica ou morrer de velho. Ou matar todo mundo comigo!
- Ridículo.
- É.
- Esse texto já tá ficando grande demais. Assim espanta as pessoas.
- Foda-se.
- Chega.

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